sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Domingo Cultural III

CAPS Gey Espinheira faz pré-lavagem no Domingo Cultural de janeiro

Não teve trio elétrico, nem multidão, nem bebida, nem festa de camisa. Nem por isso, a música e a alegria deixaram de reinar na primeira pré-lavagem do CAPS AD Gey Espinheira, realizado no último domingo de janeiro, dia que vem se consolidando na agenda de eventos do serviço, através da realização do Domingo Cultural.
Ritmado por crianças e jovens vindos de bairros como Pirajá, São Caetano e Dom Avelar, o som dos tambores improvisados em baldes, abriu a festa num brevíssimo cortejo dentro do próprio centro até as escadarias do CAPS. A lavagem - com direito a baiana, roda de capoeira e água de cheiro -, logo cedeu novamente espaço à percussão acompanhada pelo ritmo do berimbau e pandeiros do grupo de capoeira Meninos da Bahia.
Saúde Mental e Cultura - "Este trabalho é muito importante, pois oferece aos jovens usuários a oportunidade de se desenvolverem sem se sentirem excluídos, o que muitas vezes falta na prória família", opina o mestre de capoeira André Campos, que também desenvolve projetos culturais e esportivos para jovens no grupo Meninos da Bahia.
Compartilhando a mesma visão, a funcionária pública e moradora do bairro de São Caetano Adelaide da Silva veio conferir o evento e ressaltou a falta de atividades como esta "para a expressiva população de jovens que integra a comunidade".
Esta ação desenvolvida pelo CAPS AD, mais que somente proporcionar diversão, vem responder a um dos aspectos que compõem uma das mais atuais perspectivas de saúde mental, defendidas pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde, como a promoção da saúde em comunidade, através de atividades que estimulem o lazer, a cultura e o bem estar social.
"Nós compreendemos saúde em uma visão mais ampliada, que extrapola os muros dos serviços, vai além dos procedimentos de consultório", define o antropólogo e técnico do CAPS AD, Tom Valença, que continua "mais que ausência de doença, saúde mental é ter acesso à cultura, ao esporte e à vida em comunidade".
Hip-Hop na Veia - Além da pré-lavagem, outras atividades animaram a tarde no CAPS que, após a exibição do filme Saneamento Básico e do teatro de Marionetes, voltou a ficar movimentada com mais música, dessa vez, hip-hop, sob comando do DJ Kerel, líder da banda Gato Preto. O aumento do público e a euforia pela oportunidade de se expressar num palco através de canções que muitas vezes retratam o cotidiano da maioria desses jovens, foi um dos momentos mais marcantes da tarde. "Dá poder àqueles que precisam ter", assim refletiu o gerente do CAPS João Martins acerca da relação da juventude com o hip-hop.
Em parceria com alguns jovens usuários do centro, DJ Kerel cantou músicas de grupos de hip-hop conhecidos, como o Racionais MC's, que teve como resposta o entusiasmo crescente do público até o encerramento da terceira edição do Domingo Cultural.
Paula Boaventura
(Cetad Observa*)

*Link para o CETAD Observa:
 
























 Fotos: Tom Valença

Domingo Cultural II


     No último domingo de 2010, o CAPS Gey Espinheira abriu suas portas para celebrar um momento de cultura ampliada junto ao território que o circunscreve. Aos poucos, numa tarde de calor suave e ressaca natalina, surgiram usuários do serviço acompanhados por amigos, além de moradores da comunidade, inclusive algumas senhoras com seus filhos de colo e companheiros, como também familiares de funcionários da unidade, todos com o intuito de confraternizar e curtir uma programação alternativa ao que geralmente se encontra disponibilizado num domingo que fecha um feriado. Abrindo os serviços da segunda edição do Domingo Cultural, a apresentação do filme Quincas Berro d’Água foi acompanhada por muitos risos descontraídos da platéia, principalmente dos jovens usuários do serviço. Se a história de um usuário abusivo de bebida alcoólica poderia soar arriscada para uma audiência onde alguns integrantes possuem registro de uso abusivo de SPAs, os diretamente implicados reagiram muito bem ao espírito reflexivo da proposta, aproveitando o momento para fazer uma catarse coletiva. Vale notar que o único uso abusivo estimulado e induzido foi o de pipocas, preparadas e ofertadas pela técnica Andrea.
    O bate-papo após a exibição da película serviu para salientar que o aspecto central da obra  não girava em torno do consumo de álcool,  mas do acolhimento que Quincas não encontrou na sua família, e sim entre seus amigos que não se envergonharam dele e não o excluíram de seu convívio nem depois de morto. Após cessarem os risos, entre os usuários e seus amigos houve certa comoção ao perceberem que se eles mesmos sofreram exclusões sociais em função de seus consumos, ainda era possível estabelecer relações de confiança entre seus pares. O personagem Quincas Berro d'Água deixou de ser um mero anti-herói e serviu como um modelo para que alguns usuários refletissem que poderiam se sentir queridos e incluídos em circuitos de relacionamento e vínculos alternativos, e o CAPS Gey Espinheira vem  mostrando ser um desses circuitos.
    No segundo momento da atividade vespertina, a banda Zero Hora – capitaneada pelo oficineiro e menestrel Gil - subiu ao palco e depois de duas músicas de aquecimento foi ganhando a atenção e confiança da platéia que começou a cantar junto e acompanhar com palmas as canções que reconhecia. Com mais duas músicas  a interação se configurou de modo tão forte que a cantora chamou alguns participantes para subir ao palco e cantar e tocar com a banda. Depois de alguma hesitação, usuários do serviço e alguns convidados incentivados pela platéia estavam tão vontade no tablado que foi até difícil a banda retomar seu repertório de origem. A galera cantou Rap, fez percussão e estabeleceu um vínculo que sugere que as oficinas de música oferecidas pelo serviço do Gey Espinheira poderão gerar uma motivação maior para assegurar a participação ativa dos usuários – ficou no ar a idéia de que futuramente as oficinas possibilitem apresentações públicas dos usuários, o que só virá a alavancar sua auto-estima e reinserção. 
    Num processo de mão dupla, quem lançou um olhar para a platéia viu os próprios funcionários do serviço ensaiando passos de dança, o que só ampliou o aspecto integrativo da confraternização.  E não foi só isso. A jornalista Paula Boaventura do Cetad Observa – que, diga-se de passagem, vem realizando um registro imagético com dimensões antropológicas do CAPS  Gey Espinheira desde sua inauguração – em certo momento esteve realizando muito mais uma participação observante do que uma observação participante, e saiu do auditório bastante emocionada. Para completar a vinculação pactuada, ao final da apresentação a banda Zero Hora mostrou interesse em repetir a dose em ocasiões futuras.
    Após tantos bons momentos vividos na tarde do dia 26 de dezembro, os funcionários do Gey Espinheira voltaram pra casa com a sensação de missão cumprida, no que poderia ter sido um enfadonho dia de trabalho enquanto muitos outros descansavam no fim de um feriado. Que assim sejam os Domingos Culturais de 2011.

Tom Valença



 

Fotos: Tom Valença