À comunidade que acredita que o investimento na
área de Saúde Mental é fundamental para assegurar a qualidade de vida dos
cidadãos, através desse manifesto, reportamos que a própria saúde mental dos
trabalhadores da área é condição básica para a otimização dos serviços
prestados. Nesse sentido, nós, funcionários do CAPS AD III Gey Espinheira nos
sentimos na obrigação de esclarecer as atuais condições de trabalho, que, por
questões estruturais, se encontram muito distante do ideal, assim comprometendo
a nossa eficiência técnica.
Inicialmente, é preciso esclarecer que esse
serviço inaugurado em agosto de 2010 em decorrência de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) para funcionar 24h, nunca funcionou desse modo, pois nunca nos foram oferecidas
condições básicas para tal. Nos primeiros meses o fornecimento de alimentação
era irregular (chegando ao ponto de alguns funcionários bancarem a alimentação
dos usuários com dinheiro retirado dos seus próprios bolsos), o fornecimento de
energia elétrica era precário de forma que não era possível ligar mais de dois
condicionadores de ar ao mesmo tempo, além de não ter onde lavar a roupa. Passados quase dois anos, esses problemas foram
sanados, mas continuamos com outros problemas não menos importantes, por
exemplo: ter um telefone sem créditos para efetuar ligações, disponibilizar de um veículo que só tem
direito de abastecer 35
litros de combustível por semana, sendo recolhido para a garagem às 16h
todos os dias, além de não ser disponibilizado nos finais de semana.
Para não gastar tempo elencando infinitos
itens, ainda é preciso dizer que três sanitários estão com suas lâmpadas queimadas
desde o ano passado, e a oficina de futebol, uma das mais frequentadas pelos
usuários, tem seu funcionamento ameaçado pela ausência de um alambrado, o que
já fez com que incontáveis bolas fossem perdidas. Por último, serão citados
dois problemas incontornáveis: a equipe de higienização regularmente recebe
seus vencimentos com dois ou três meses de atraso, o que não impede que execute
suas atividades a contento - a disponibilidade dessa equipe é tamanha que
alguns dos seus membros chegam a trazer vassouras e produtos de limpeza de suas
próprias casas, pois o serviço carece desses itens. E finalizando, desde
novembro de 2011 estamos trabalhando sem preposto de segurança. A partir de
então já aconteceram seis arrombamentos a Unidade de serviço, sendo furtados diversos
equipamentos (vale citar: computador, mesa de som, instrumentos musicais, telefone,
lâmpadas de emergência, forno de micro-ondas, liquidificador e cafeteira).
Outra consequência dessa falta de segurança – mesmo que seja uma segurança em
grande parte simbólica – vem se refletindo nas vinculações dos presentes ao
serviço, pois tal falta acaba favorecendo que a equipe e os usuários estejam mais
expostos a episódios de violência. Ameaças a funcionários, porte de armas e brigas entre usuários são exemplos de alguns
desses episódios.
A pergunta que não quer calar é: como,
nessas condições, seria possível funcionar em um nível de otimização que
contemplasse um atendimento 24h? E mais, nessas condições estruturais, até o trabalho
das 8h às 18h não tem sido fácil no que se refere à manutenção e coesão da
equipe. A saúde mental desses, além de estar em relação direta com os problemas
acima citados, é posta a prova ao ter que conviver com contratos precários (que
não incluem férias, décimo terceiro, FGTS). Se a Unidade começou com 65 trabalhadores
hoje conta com 43 sem perspectiva de reposição para os que saíram. Recentemente, o gerente da Unidade entregou o cargo em uma
atitude política com o objetivo de sinalizar, de modo extremo, o engessamento operacional
que o serviço vem vivenciando.
É nessa configuração, em grande parte por acreditar
em um projeto inovador e necessário que respeita os usuários enquanto cidadãos que
a equipe do Gey vem seguindo seu caminho atribulado, mesmo quando mais do que
nunca está claro que não há apoio da rede, e até quando muitos acreditam que um
serviço com essa natureza e objetivo “não deve e não pode” dar certo – e há
interesses concretos para que propostas como a de um CAPS AD III devam ser
desacreditadas, já que desse modo, estaria sendo legitimada a federalização da internação
compulsória que levaria muitos usuários para as comunidades terapêuticas, pois
se os CAPS AD III não funcionam (e para a sociedade e principalmente para os
eleitores, não importa se não funcionam por motivos estruturais ou técnicos), gestores
e donos de muitas dessas comunidades terapêuticas que atuam no Congresso Nacional em favor
da internação compulsória, teriam seus lobbies justificados e mais facilmente
aceitos.
Nós, funcionários do Gey Espinheira
acreditamos que muito mais do que a natureza (focada no usuário e não nas
drogas que ele usa) e o objetivo (ajudar tais usuários a construir sua
cidadania), o problema central que enfrentamos se localiza em uma estrutura
precária, e que fique claro que falar sobre estrutura é afirmar que Saúde
Mental na atenção aos usuários abusivos de álcool e outras drogas antes de tudo
é uma questão de ordem política.
Tom Valença
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