quinta-feira, 12 de abril de 2012

Manifesto Espinheira Viva!


     À comunidade que acredita que o investimento na área de Saúde Mental é fundamental para assegurar a qualidade de vida dos cidadãos, através desse manifesto, reportamos que a própria saúde mental dos trabalhadores da área é condição básica para a otimização dos serviços prestados. Nesse sentido, nós, funcionários do CAPS AD III Gey Espinheira nos sentimos na obrigação de esclarecer as atuais condições de trabalho, que, por questões estruturais, se encontram muito distante do ideal, assim comprometendo a nossa eficiência técnica.
    Inicialmente, é preciso esclarecer que esse serviço inaugurado em agosto de 2010 em decorrência  de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) para funcionar 24h, nunca funcionou desse modo, pois nunca nos foram oferecidas condições básicas para tal. Nos primeiros meses o fornecimento de alimentação era irregular (chegando ao ponto de alguns funcionários bancarem a alimentação dos usuários com dinheiro retirado dos seus próprios bolsos), o fornecimento de energia elétrica era precário de forma que não era possível ligar mais de dois condicionadores de ar ao mesmo tempo, além de não ter onde lavar a roupa. Passados quase dois anos, esses problemas foram sanados, mas continuamos com outros problemas não menos importantes, por exemplo: ter um telefone sem créditos para efetuar ligações,  disponibilizar de um veículo que só tem direito de abastecer 35 litros de combustível por semana, sendo recolhido para a garagem às 16h todos os dias, além de não ser disponibilizado nos finais de semana.
     Para não gastar tempo elencando infinitos itens, ainda é preciso dizer que três sanitários estão com suas lâmpadas queimadas desde o ano passado, e a oficina de futebol, uma das mais frequentadas pelos usuários, tem seu funcionamento ameaçado pela ausência de um alambrado, o que já fez com que incontáveis bolas fossem perdidas. Por último, serão citados dois problemas incontornáveis: a equipe de higienização regularmente recebe seus vencimentos com dois ou três meses de atraso, o que não impede que execute suas atividades a contento - a disponibilidade dessa equipe é tamanha que alguns dos seus membros chegam a trazer vassouras e produtos de limpeza de suas próprias casas, pois o serviço carece desses itens. E finalizando, desde novembro de 2011 estamos trabalhando sem preposto de segurança. A partir de então já aconteceram seis arrombamentos a Unidade de serviço, sendo furtados diversos equipamentos (vale citar: computador, mesa de som, instrumentos musicais, telefone, lâmpadas de emergência, forno de micro-ondas, liquidificador e cafeteira). Outra consequência dessa falta de segurança – mesmo que seja uma segurança em grande parte simbólica – vem se refletindo nas vinculações dos presentes ao serviço, pois tal falta acaba favorecendo que a equipe e os usuários estejam mais expostos a  episódios de violência. Ameaças a funcionários, porte de armas e brigas entre usuários são exemplos de alguns desses episódios.
     A pergunta que não quer calar é: como, nessas condições, seria possível funcionar em um nível de otimização que contemplasse um atendimento 24h? E mais, nessas condições estruturais, até o trabalho das 8h às 18h não tem sido fácil no que se refere à manutenção e coesão da equipe. A saúde mental desses, além de estar em relação direta com os problemas acima citados, é posta a prova ao ter que conviver com contratos precários (que não incluem férias, décimo terceiro, FGTS). Se a Unidade começou com 65 trabalhadores hoje conta com 43 sem perspectiva de reposição para os que saíram. Recentemente, o gerente da Unidade entregou o cargo em uma atitude política com o objetivo de sinalizar, de modo extremo, o engessamento operacional que o serviço vem vivenciando.
    É nessa configuração, em grande parte por acreditar em um projeto inovador e necessário que respeita os usuários enquanto cidadãos que a equipe do Gey vem seguindo seu caminho atribulado, mesmo quando mais do que nunca está claro que não há apoio da rede, e até quando muitos acreditam que um serviço com essa natureza e objetivo “não deve e não pode” dar certo – e há interesses concretos para que propostas como a de um CAPS AD III devam ser desacreditadas, já que desse modo, estaria sendo legitimada a federalização da internação compulsória que levaria muitos usuários para as comunidades terapêuticas, pois se os CAPS AD III não funcionam (e para a sociedade e principalmente para os eleitores, não importa se não funcionam por motivos estruturais ou técnicos), gestores e donos de muitas dessas comunidades terapêuticas que atuam no Congresso Nacional em favor da internação compulsória, teriam seus lobbies justificados e mais facilmente aceitos.
     Nós, funcionários do Gey Espinheira acreditamos que muito mais do que a natureza (focada no usuário e não nas drogas que ele usa) e o objetivo (ajudar tais usuários a construir sua cidadania), o problema central que enfrentamos se localiza em uma estrutura precária, e que fique claro que falar sobre estrutura é afirmar que Saúde Mental na atenção aos usuários abusivos de álcool e outras drogas antes de tudo é uma questão de ordem política.

                                                                                                                                             Tom Valença